Duplo vínculo: um problema a ser evitado
A linha de chegada, quando não é demarcada, faz com que o corredor nunca saiba onde é o fim da corrida e o começo da glória. Então, que façamos hoje a experiência de nutrirmos em nosso interior sentimentos benignos, pois quando eles estão em nós, somos também fontes do bem aos que nos cercam. Assim não haverá dúvida nem contradição. Somente harmonia e compreensão. Falando nisso, sigamos para o tema do texto de hoje. Discutiremos sobre a importância de os pais não passarem mensagens contraditórias aos filhos. O exercício da maternidade e da paternidade, como já falamos em outrora, é algo sublime e totalmente altruísta. Requer dedicação em tempo
integral, sem que haja período de férias ou descanso. A todo momento e em todo lugar, mamães e papais, estão a serviço da formação benigna e do bom desenvolvimento dos filhos. A grande questão é que às vezes no cansaço do cotidiano a missão é substituída pela obrigação. E esta última, quando chega até nós, sempre será pesada e penosa. O fazer dos pais, quando é realizado apenas por uma questão de obrigatoriedade, fica extremamente
cansativo e quase que inalcançável. Justamente neste contexto é que surgem as ações que geram o que chamamos de duplo vínculo. Superficialmente falando, o duplo vínculo é quando alguém se conecta a duas mensagens antagônicas dadas ao mesmo tempo. Isso geram
consequências negativas na execução do comando expressado, no acolhimento dos elogios ou críticas verbalizados e por fim, na manutenção saudável das relações entre os envolvidos. As mensagens duplas geram sofrimentos tanto em adultos quanto nas crianças, porém nestas últimas as intensidades e consequências são maiores. É comum o pai ou a mãe dizer uma coisa com as palavras e outra com o olhar e expressões. Quantas vezes uma criança mostra um desenho criado por ela, mas o faz no momento que o adulto, destinatário da apresentação, está ocupado com algum afazer e apenas verbaliza elogios de modo automático, sem realmente olhar para a criança. O pequenino ouve a exclamação: que lindo! Porém não vê o olhar de atenção para ele e nem para o que foi mostrado. Toda vez que isso ocorre há uma mensagem contraditória geradora de conflito. Ela escuta os adultos falando que o apresentado ficou lindo, mas ao mesmo tempo vê o desinteresse deles por aquilo que disseram que estava bonito. O exemplo acima é apenas para ilustrar o quanto é fácil o comando duplo aparecer na ação dos pais. Principalmente quando estão cansados ou irritados com algo. Ou, como citado no exemplo acima, não têm real interesse no que os filhos estão falando ou mostrando e por este motivo acabam respondendo sem realmente dar a devida atenção. A criança pode pensar que não é amada pelos pais, justamente devido às mensagens duplas que deles emanam. Pois, ao oferecer seu agir de valoração, confiança e carinho àquele indivíduo a quem apresenta o seu feito, não sente verdadeiramente uma devolutiva do seu interlocutor. Ouve palavras de elogios, mas a linguagem corporal demonstra desinteresse. O que acarretará dúvida sobre a veracidade dos dizeres expressos. Logo poderá sentir que o que mostrou não foi bom o suficiente. Daí para acreditar que o insuficiente foi ela mesma é uma distância mínima.
Para que não ocorra o duplo vínculo é fundamental que os pais realmente estejam sempre inteiros na relação com os filhos. É difícil pôr em prática o que estou dizendo. Pois são tantas as preocupações da vida adulta que às vezes fica quase impossível abstraí-las para oferecer a
inteireza nas relações. O problema é que a criança não entende ainda sobre a complexidade que envolve a existência, mas sente quando não está sendo vista ou ouvida. Assim, começa a se ver não especial. O sofrimento emocional se inicia e à medida que o tempo passa e as repetições de duplo comando ocorrem, mais se fortalece a autorrelação fragilizada. Esse
processo poderá acarretar dificuldades de autoaceitação, construções relacionais não saudáveis, não realização existencial e ainda adoecimento psiquiátrico: como por exemplo ansiedade e depressão. Por isso caros papais e mamães, escutem o que os filhos dizem e
vejam o que mostram. Parem o que estão fazendo e olhem para eles com interesse genuíno. Não sejam apenas simpáticos, mas sim… sinceros. Vai ajudar se olharem nos olhinhos dos pequeninos, ficando à altura deles. Façam perguntas quando não compreenderem o que quiseram dizer. Lógico que agir dessa maneira poderá fazer com que haja atraso nos afazeres
necessários ou comprometimento no lazer merecido de vocês. Porém, nunca será um tempo perdido. Antes, sementes plantadas que irão gerar lindos frutos e flores na vida vindoura dos homens e mulheres que um dia foram aqueles adoráveis bebezinhos.
Para finalizar, afirmo que não devemos tecer elogios ou dizer que amamos alguém quando estamos com nossas retinas fixas ao celular, televisão, jornal, ou qualquer outro lugar diferente dos olhos do ente amado. Pois se os olhares não se encontrarem mutuamente o amor
declarado será apenas vazio decorado com enfeites bonitos, porém artificiais. E terá sido em vão o que foi expresso, pois no ato estará confesso que foram apenas palavras desprovidas de vida… lançadas ao vento. E palavras assim, o vento não escolhe, acolhe, espalha ou semeia.
Adilson Donizetti de Carvalho
Psicólogo
CRP 04/4041